Um tio perdido na Creche #05: A Camiseta

.  Edit 16/10/2020: Estou mudando o nome fictício do personagem. Esse texto reflete acontecimentos reais. E não quero e nem posso permitir que uma criança tão meiga e gentil quanto o garoto com quem vivi essa história esteja, ainda que minimamente, ligado a situações tão repudiáveis quanto assédio e estupro.

   A coisa começou nesse dia quando fui na frente da creche receber as crianças da tarde. Eu não gosto de dizer que tenho favoritos ou faço diferença entre as crianças, mas entre esses que só vinham a tarde, Julio, cinco anos, era um das crianças que eu mais gostava. Ele me adorava também e sempre que podia, queria estar do meu lado. Mas naquele dia, aconteceu algo no mínimo cômico. Ele veio com uma camiseta que aparentemente era do Batman. Uma cor fosca com o logotipo do morcego na frente, super minimalista.
   -Olha tio, é o Batman!
   Só que... Não. A camiseta era da cor roxa e o logotipo do Batman era amarelo, e se eu conhecia alguma coisa dos quadrinhos, essas cores não eram do Batman, e sim, da Batgirl, a filha do comissário Gordon que fazia parte da batfamília. É claro que não tinha o menor problema para mim ele estar usando a camiseta da Batgirl, desde que ele pelo menos estivesse perfeitamente ciente de que era a camiseta de uma heroína, uma garota, o que claramente não era o caso.
   -Então, legal sua camiseta! É o Batman, né?
   -É! É muito legal!
   Sério, eu estava me mordendo de vontade de contar a ele, mas não tinha coragem. Ele estava todo feliz com a camiseta. Tão novinho e já iludido com a vida, o que dizer, não é?
   A tarde foi passando. Fui vê-lo mais tarde. A turma dele ficava comigo no final da tarde enquanto a professora tinha seu intervalo para descansar ou preparar matéria. E aí, mais trinta minutos longos e demorados olhando para ele na areia brincando e novamente me mordendo de ansiedade por causa da camiseta dele. A ilusão era doce, mas a verdade seria chocante, e se eu não contasse a ele, alguém em algum momento ia contar. É tipo o trabalho sujo, mas que alguém tem que fazer!
   -Julinho!
   -Oi, tio! - Veio correndo até mim.
   -Essa sua camiseta, sabe? - Respirei fundo, tomei coragem. - Ela... - Vamos lá, você consegue, é para o bem dele! - Ela... É muito legal!
   Na trave!
   E acabou ficando por isso mesmo pelo resto do dia. Cada vez que ele vinha sorrindo para mim eu perdia completamente a coragem de contar. Eu não tinha coragem de tirar aquele sorriso do rosto dele. Se bem que é capaz de ele não dar a mínima e eu estar ansioso com isso por nada. Mas, eu já tinha alguma coragem de pagar para ver?
   Por fim, Julinho, se você estiver lendo isso no futuro e tiver dado aquela sua camiseta para algum parente mais novo, avise ele! Ou não, é por sua conta!

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