Pequenos Americanos #10: Quarentena - 2 de 4


   Enquanto a gente ainda decidia o que fazer na quarentena com os meninos, ainda mais que Marcus, mesmo presente, simplesmente não estava disposto a passar muito tempo com os meninos, a babá de Pete há algumas centenas de quilômetros de nós também não estava tendo dias fáceis. Pete tinha ficado em boas mãos, ela era ótima, dedicada e esforçada, além de gostar de crianças e precisar muito do emprego, e Pete logo se adaptou a ela e passou a tolera-la, apesar de ter me perdido muito recentemente, mas é claro, a necessidade da quarentena trouxe problemas, e um deles, era que alguns teriam que viajar para ficar com suas famílias. Entre eles, o namorado de Jéssica, que era de outro estado.
   -O que? Não pode ser? E o seu apartamento?
   -Minha mãe insistiu muito para eu voltar e ficar com ela e os meus irmãos! Além disso, não vai ser muito legal ficar preso lá!
   -É verdade que, se a gente só vai se falar pela internet por esse tempo vai dar no mesmo!
   -Mas, eu ainda quero me arriscar com você em um último encontro antes da pandemia! Mas tem que ser hoje, porque amanhã a tarde eu já vou partir no avião!
   -Mas eu não posso sair agora! Eu estou trabalhando! Meus patrões trabalham de home office para a seguradora e ficam o dia todo presos nos quartos deles com as portas fechadas, mas eles precisam de mim aqui com ele!
   -O que é mais importante para você, Jéssica?
   -Pedrinho! - Virou-se para o menino brincando no tapete, e falou em voz baixa. - Pega a máscara! Hoje a gente vai aprontar!
   Correria o risco de perder o emprego por sair sem avisar, sim, mas amava muito o namorado para não poder se despedir.

   * * *
   Eu do meu lado também tinha meus problemas. Enquanto Jessica pelo menos podia sair com o Pete para dentro do condomínio, mesmo a casa dos meninos Cooper sendo bem grandinha, ainda assim só podíamos ir ate o quintal. E naquele dia, a ideia que eu tive foi por causa do calor absurdo que passamos na noite anterior. Quer dizer, absurdo para os meninos, eu sou do Brasil, vocês sabem! Naquele dia, gastei um pouquinho de minhas economias e consegui uma enorme piscina inflável de mais ou menos uns 3000 litros.
   -É isso, meninos! - Eu disse, enquanto saía com eles para o lado de fora. - Hoje é dia de piscina, então aproveitem!
   -Você fez isso? - Ollie perguntou.
   -Acordar cedo tem suas vantagens! - Sorri, entregando as sungas para eles. - Vamos lá para dentro para a gente se vestir e eu ajudo vocês com o protetor solar.
   -Eu mal posso esperar! - Sorriu Noah.

   * * *
   Jéssica entrou com o Pete em uma lanchonete que havia se recusado a fechar, enquanto olhava para todos os lados para ver se nenhum parente ou ninguém que poderia reconhecê-los estava por perto. Para Maurício e para Raquel, eles estavam dentro dos limites do condomínio. Se sentou em uma das mesas com ele.
   -Se os seus pais perguntarem, você nunca esteve aqui! - Ajeitou a bandana.
   -Então onde eu estive?
   -Sei lá, você enterrou um corpo no fundo do condomínio! - Só então se deu conta. - Pelo amor de deus, não vai me falar isso para eles!
   -Qual o lanche mais caro que você está disposta a me pagar por isso?
   É claro que ele ia fazer isso em algum momento. Eu também já caí nessa muitas vezes.  Mas ela não teve tempo de responder porque imediatamente o homem chegou por ali e se sentou com eles.
   -Oi, amor! - Beijando-a. - Sabia que não ia decepcionar! Sabia que eu era mais importante que... Quem é ele?
   -Meu trabalho! Eu disse para você que eu era babá! Então, vamos ter que ficar aqui com ele! Mas vai ser legal! Vai gostar dele! - Em seguida sussurrando. - Ou vai entender porque eu não quero filhos agora!
   -Quero meu lanche! Tô com fome!
   -Calma, a gente já vai pedir, loirinho!
   -To falando, ele vai pentelhar e vai ferrar o nosso encontro inteiro! - Ele sussurrou. - Já não basta só ter esse lugar aberto?

   * * *
   -O que é isso? - Me chamou pelo nome.
   Era o Marcus, saindo de dentro de casa naquele momento depois de ouvir as vozes altas dos meninos brincando na água. O fato é que tinha conseguido algo bom. Consegui fazer o Ollie passar mais tempo com o Noah e aproximar mais eles, e Ollie, que quando cheguei era bastante sério, depressivo as vezes e tentando ser mais adulto e maduro por causa do pai, naquele momento parecia tão menino quanto Noah.
   -Comprei uma piscina infl... Armável para os meninos nesses dias de calor, senhor! Não se preocupe, foi com o meu dinheiro!
   -Ah, bom!
   -Esse isolamento está matando os neurônios de todo mundo, mas eles são crianças e não tem totalmente formados os mesmos mecanismos mentais que a gente tem para suportar essas situações! Mas não se preocupe com isso! Prometo que amanhã eu vou retomar as atividades que a escola mandou com eles!
   Ele então voltou para dentro da casa com a cara fechada. Parece que ele ainda estava estressado por não poder voltar para a seguradora e ver seus amigos do trabalho. Em particular, em ver a secretária. O que eu sei, é que da última vez que ele se importou mais do que deveria com uma secretária ele ainda era casado com a ex-esposa. E a tal secretária era sua atual esposa, Christine. Olhei para o Ollie, brincando com o irmãozinho despreocupadamente na piscina. Será que ele daria conta de suportar a mesma crise emocional pela segunda vez? E Noah? Teria o mesmo destino de Ollie?

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