Eu, meu irmão e as Crianças #02: A Ansiedade - Parte Final

   Cerca de meia hora depois estávamos finalmente no hospital. Theo já tinha sido medicado para diminuir a pressão e já estava tudo bem. Mas uma consulta com o médico era necessária, por conta da nossa desconfiança: Ele já teve aquilo outras vezes, o que era um indício claro de:

   -Transtorno de ansiedade, e achei que estaria mais surpreso!

   Assim que pudemos, todos nós fomos ao hospital de carro para buscar o Theo, e naquele momento conversávamos com o médico no corredor da clínica, enquanto enfermeiros e paciente passavam atrás da gente.

   -Estou surpreso de como o senhor está aqui na minha frente e falando português como se nada tivesse acontecido!

   Era exatamente o mesmo médico mau humorado cego de um olho que atendeu o amigo cardiopata do Oliver meses antes quando eu trabalhava com uma família em Nova York. Para variar, igualmente cego, mas mais mau humorado que de costume. E naquele momento, só tinha uma coisa que eu queria entender.

   -O senhor trabalhava em Nova York! O que fez o senhor vir para esse fim de mundo?

   -Nunca trabalhei efetivamente lá! Quando me conheceu eu estava cumprindo aviso prévio para poder voltar para o Brasil! Não estava mais dando conta de americano cheio de si porque mora "no melhor país do mundo" me olhando de cima para baixo porque eu era imigrante! Só não achei que ia ter que olhar para a sua cara de novo! Sem ofensa!

   -Imagina, não ofendeu nada! - Ironizei.

   -Podemos ir aos finalmentes? - Pediu Max. - Se for continuar namorando o doutor aí avisa que eu levo eles para casa!

   Naquela altura, o doutor já tinha conversado com o Theo e feito um questionário com ele. Tudo levava realmente a uma ansiedade leve a moderada, e por isso, ele tomaria uma medicação leve diariamente. Especificamente a mesma que a minha. O que era bom. Me mantinha mais próximo dele e me dava mais condições de ajuda-lo a lidar com essa nova realidade.

   -Posso só te perguntar uma coisa? - Disse o médico, olhando para mim.

   -O que?

   -Sei que não é da minha conta, mas... Qual é a da roupa de empregada?

   Eu saí tão assustado de casa por conta da minha própria ansiedade depois de tirar a Thalia de cima de mim que até esqueci da roupa que estava usando. Ou da Tiara. Droga!

   -F-festa a fantasia! - Menti!

   -Tá sexy! - Murmurou, em voz baixa. Em seguida, virando-se para a sala de espera. - PROXIMO!

   Eu não estava acreditando que ele me disse aquilo. Max piscou o olho para mim avisando que eu estava vermelho. Médico mais abusado. Segurei Theo pela mão e o puxei para fora do hospital.


   * * *

   -O que você quer?

   -Vim me desculpar!

   Jessica não fez questão de esconder nada quando a Raquel apareceu em seu apartamento, depois do barraco que ela armou na escola por causa da confusão do Pete. Estava arrependida do que fez e queria tentar consertar. Não era a primeira vez que era injusta com um babá e não queria ser a vilã de filme da sessão da tarde dessa vez.

   -Não me convida para entrar?

   Jéssica deu passagem para ela. Era um apartamento simples porém bem arrumado e super limpo. No fundo, Raquel sempre soube que tinha ali uma ótima pessoa em quem Pete poderia confiar e um ótimo lugar para passar o tempo. Mas sempre recuou. Sempre deu para trás. As vezes se ama tanto os filhos que se perde mesmo a mão e exagera na preocupação, na proteção. E acaba metendo os pés pelas mãos. Foi o que explicou a ela. Ambas sentadas no sofá da sala.

   -Eu tenho um histórico não muito bom com babás, sabe? O (disse meu nome) era maravilhoso, e quando aconteceu um incidente, eu me desesperei e fiz tudo errado. E aí ele escolheu ir embora. Já faziam quatro anos que ele estava com a gente. Até o Maurício sente falta de chegar em casa do trabalho e encontrar ele brincando com o Pedrinho. E agora, eu errei com você. Esqueci que o Pedrinho as vezes fala algumas palavras errado ainda. E não quero perder você, não quero que o Pedrinho perca você. Porque você é maravilhosa, e ele não aceitou ninguém depois do (disse meu nome) que foi quase um segundo pai para ele, que não você. E eu... Parece que posso aprender alguma coisa com você também!

   -O Pedrinho é um menino maravilhoso, dona Raquel! E ele merece tudo de melhor que pode ter dessa vida! Olha, eu me senti horrorizada com aquilo na escola, exposta, destruída, mas ele... Ele precisa muito de bons exemplos para crescer um bom homem.

   Lembrou-se por um segundo do ex-namorado. Quando caiu no bueiro correndo arás de Pete, se machucou feio e não conseguiu ir para a casa dos pais. Perdeu o ônibus para o qual tinha comprado passagem e teria que remarcar quando a perna ficasse melhor. Pete a livrou dele. Se não o tivesse levado junto naquele encontro, não teria percebido o imbecil que aquele homem era. Mas principalmente, Pete lhe deu outra forma de enxergar o mundo, uma mais otimista e solidária consigo mesma em diversos aspectos. Não sabia porque eu tinha deixado a casa deles, mas esse, com certeza, não era o momento de fazer o mesmo.

   -Que nunca mais se repita! Com ninguém!

   -Certo!

   -Avise ao Pete: Eu vou estar lá amanhã e é melhor ele se desculpar também, se não quiser um castigo daqueles! E Raquel, o que vou fazer agora é para ficarmos quites: FORA DA MINHA CASA! - Berrou, Brincando.

   -É bom ter você de volta! - Pegou a bolsa. - Obrigada!

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