O nada realista mundo das Novelas


   Eu acho que comecei com “A Usurpadora” em uma das um milhão de vezes em que o SBT exibiu. Ou pode ter sido também com “Senhora do Destino”. Eu não sei ao certo. Tenho mais lembranças do meu tempo de creche como uma criança doida e problemática do que de novelas antes de 2006, tirando aquelas que reprisaram. Eu vi algumas daquelas também.
   É curioso pensar que alguém como eu, um cara nos seus vinte e poucos anos gosta de novelas. Bem, não é que eu goste de novelas. Eu gosto de boas histórias, independente de como elas venham, então, algumas novelas acabam me chamando a atenção, sobretudo as mais antigas. Enfim, o meu vício mesmo é por boas histórias, algo hoje em dia raro nesse contexto.
   Cara, posso ter começado também, pensando bem agora, com “Laços de Família”. Aquela cena da Carolina Dieckman raspando a cabeça ao som de uma das músicas mais mela-cueca da história do universo segue presa na minha cabeça.
   A grande questão é que, depois que eu cresci, eu comecei a perceber que as novelas não são feitas para você se espelhar naquilo, não são feitas para refletir a vida do telespectador, mas sim, para mostrar para ele tudo aquilo que a vida não é. Sobretudo as novelas da rede Globo. As novelas da rede Globo são situadas em um micro universo onde só existe o Rio de Janeiro, e metade do Rio de Janeiro são a Lapa, Copacabana e as praias. E onde quase todo mundo é rico, menos um percentual de uns três por cento que vivem todos amontoados em um cantinho do estado. Já viu um pobre morar longe de outro em alguma novela? Pois é, estão sempre todos juntos ali.
   Os maiores pontos turísticos internacionais, no universo das novelas, estão todos reunidos em uma grande ilha há 30 quilômetros da costa do rio, então você vai e volta a hora que quiser.
   Também existe nesse universo uma altíssima produção de comida, onde normalmente se enchem mesas enormes de comida, não importa se o jantar é só para um ou dois, e quando termina, normalmente nem 10% daquilo se vê sendo comido, quando se vê. E as mesas têm que ser sempre enormes. “Ah, mas só mora uma pessoa na casa”. Dane-se, ela vai sentar-se sozinha na mesa. Tirando o núcleo pobre do bairrinho. Só pobre tem mesas pequenas nesse universo.
   E detalhe: Todo mundo vai dormir e acorda maquiado. Inclusive o núcleo pobre! E ninguém, mas absolutamente ninguém vai acordar com o cabelo bagunçado!
   Outra regra: Toda família rica tem que ter pelo menos um ou dois loucos psicóticos sem contas para pagar, bocas para alimentar e sem o próprio rabo para cuidar, mas com o único propósito de ferrar com a vida do coleguinha de um jeito ou de outro, e que sempre, por via de regra, após um prazo de seis meses da suas artimanhas, deverá ser preso ou morrer de algum jeito estúpido, mas sempre num prazo exato de seis meses. Nunca antes disso.
   E detalhe, para ser feliz todo mundo tem que casar no final. Não existe felicidade sem casamento, pelo menos no núcleo rico. Isso porque nesse universo ninguém se basta: A mulher tem que passar, por via de regra, a trama inteira atrás do mesmo homem, ou alternando entre dois, porque triângulo amoroso vende. Se for do núcleo pobre pode andar de galho em galho também, mas só se for do núcleo pobre!
   Outra regra: Se alguém tiver um irmão gêmeo, um dos dois tem que ser o vilão, isso é obrigatório. Nada de ambos serem vilões ou bonzinhos, um precisa obrigatoriamente querer ferrar com a vida do outro, ou roubar o namorado do outro, ou os dois.
   E por fim, mas não menos importante: Ao final da novela o núcleo rico não vai virar amigo e nem fazer nenhuma caridade para o núcleo pobre. A não ser que a protagonista venha do núcleo pobre, porque o galã tem que comer alguém no final para o “felizes para sempre” acontecer. Mas se isso acontecer, ele vai levá-la para a sua mansão e a família da moça pode esquecer que ela existiu um dia.
   Eis a fórmula para uma boa novela. Grandes emissoras seguem ad infinitum, para você sonhar ad infinitum que morar no Rio deve ser uma aventura cheia de emoções. Em um próximo livro escreverei sobre o maravilhoso universo de novelas infantis do SBT onde toda criança nasce sabendo cantar e faz isso em absolutamente qualquer situação, como se a vida fosse um eterno musical da Broadway.

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