Pete e o Papagaio - Pete #01


   De vez em quando o Maurício costumava trazer o filho dele de uns seis anos para ficar comigo em casa em finais de semana em que ele não podia, há uns anos atrás. O nome do garoto é Pedro, mas eu chamava de Pete. Ele achava que era por causa do Pete's Dragon (Meu Amigo, o Dragão), um filme da Disney de 1977 que ele devia ter visto em algum momento na creche. Na verdade era por causa do Pombo Pete, um dos mutantes mais lerdos, por sinal mais burro que um pedra, de Tartarugas Ninja. Mas deixa isso em off, ele não precisa saber.
   Mas aconteceu em um final de semana aí de o garotinho chegar com o boneco de um papagaio nas mãos.
   -Não me lembrava que ele ficasse carregando bichinhos. Ele usa isso para dormir?
   -A psicologa. - Explicou o Maurício.
   -Ela usa ela para dormir?
   Ele faz uma cara de quem não entendeu minha piada, depois simplesmente a ignora e continua o que ia dizer.
   -Ela mandou ele cuidar disso até a próxima sessão.
   É mesmo, eu tinha me esquecido. Pete frequentava uma psicologa, daquelas gordas que sorriem para tudo o que você fala e dizem que você vai ficar tudo bem, por causa do seu problema de indisciplina na escola. (Que por alguma razão só acontecia lá, mas a escola achou melhor terceirizar a responsabilidade).
   -Certo, e o que eu tenho que fazer? - Perguntei.
   -É só garantir que ele esteja inteiro e limpo no final do dia!
   -Ah, então é igualzinho com o Pete! Se você estivesse me pagando eu cobraria o dobro! - Ri.
   -Vai para o inferno! - Riu de volta.
   Assim, Pete passou mais aquele final de semana comigo. Até que foi bem tranquilo. E na maior parte do tempo o papagaio ficou bem. Parece que o Pete tinha gostado tanto do papagaio que no começo o levava para qualquer lugar e nunca o deixava do lado, mesmo que a brincadeira não o envolvesse. Então confesso que me afrouxei em verificar se ele não tinha perdido o papagaio e fui fazer as minhas coisas enquanto ele brincava no quintal dos fundos.
   Mas as crianças, elas tem o dom de fazerem as piores coisas exatamente quando não estamos olhando, como se tivessem dentro das suas cabecinhas um radarzinho que avisa quando tem ou não um adulto por perto. Resultado:
   -Tio, tio, o papagaio sumiu!
   -Que rima legal! Tá virando um poeta! Pera... O QUE?
   Pronto, o Maurício ia me matar! Se esse papagaio não estivesse na próxima sessão, a psicologa poderia dizer que o Maurício era um pai bem ruim, o que na real ia significar que eu sou um cuidador bem ruim. Assim, temendo pela minha reputação, inclusive como educador, montamos um mutirão de procura pelo bicho (que é basicamente procurarmos juntos).
   Acho que ficamos duas horas nisso. E então, o Maurício telefona.
   -Está tudo bem com ele, cara?
   -Sim, maravilha!
   -Não se sujou nem se machucou nem nada?
   -Está inteiro e bonitinho do jeito que você entregou! Embora eu ache que podia ter um tecido melhor e tals...
   -O que? Eu to falando do Pedrinho!
   -Ah, tá! Ele tá bem também!
   Pronto! Pensa numa pessoa que sabe esconder o desespero? Sou eu mesmo.
   -Tem certeza? - Perguntou desconfiando.
   -Pete, fala oi para o seu pai! - Pedi, enquanto ligava o viva voz do celular.
   -OOOOOI! - Gritou o garoto, de onde estava.
   -O que você está fazendo de bom? - Perguntou o Maurício.
   Desliguei. Maurício que me desculpe, mas eu conheço o Pete, ele ia me entregar! Ia dizer que perdemos o Papagaio!
   -Ih, a ligação caiu, Pedrinho! Continua procurando enquanto a gente espera o seu pai ligar de novo!
O negócio é que a gente achou o papagaio no lugar mais improvável: Na gaveta de cuecas do Pete. Eu tive uma intuição de que era melhor não fazer perguntas. Sabe como é, tem coisas que a gente acha que quer saber, mas na real...
   Quando o Maurício chegou, entreguei a criança e o boneco nas mãos dele.
   -Ele deu muito trabalho?
   -Não, ficou o tempo todo nas mãos do Pedrinho! - Sorri. - Ah, eu confundi de novo, né?
   -Gostou de ficar com o tio hoje, Pedrinho?
   -Ah, foi legal, só que ele não deixou eu ver desenho!
   -Porque não?
   E eu atrás do Maurício fazendo mil sinais diferentes de "cala essa boca" que ele ignorou sumariamente.
   -Porque a gente teve que procurar o papagaio!
   Dias depois o Maurício disse que a psicóloga informou que o teste na verdade era só para o Pete e não para ele. Ou seja, eu devia ter deixado o papagaio cair no limbo do esquecimento mesmo: Ela teria uma ideia bem realista do Pete!

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   Publiquei esse conto há mais de um ano na primeira versão desse blog, pouco depois do natal de 2016. Era para terminar aí, mas pessoalmente, gosto bastante da ideia que tive para os personagens e para a noção pouco convencional de um homem babá. Andei tendo mais idéias de histórias para esses personagens, então quero transforma-los em uma série! Vamos ver o Pete por aqui mais vezes!

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