Pequenos Americanos #03: Halloween


   Tinha finalmente chegado o Halloween e em Nova York não só a tradição não era diferente do resto dos Estados Unidos como ainda era muito mais forte por lá. Pela manhã, antes de sair para o trabalho e de eu levar os meninos para a escola, o senhor cooper deixou no balcão da cozinha algum dinheiro para comprar uma fantasia para o Noah no centro da cidade.
   -E o Ollie? - Perguntei.
   -Ele já é quase um homem, não acho que se interesse por isso! - Respondeu.
   -Compreendo, senhor.
   Era um homem alto, de voz grave e com uma postura bastante séria e formal, com o terno e gravata que eram próprios da profissão de executivo de uma grande empresa de seguros com sede ali mesmo em Nova York e que tinha a própria esposa e mãe dos meninos como secretária. Não digo o que presumo disso por razões éticas. O fato é que ele havia deixado uma boa grana para a fantasia, então provavelmente queria que o filho fosse pedir doces nas ruas como se estivesse realmente num filme de Hollywood. E eu fui levar ele para a loja mais tarde, mas já queria que ele escolhesse no caminho sua fantasia, para agilizar.
   -Do que você quer se vestir esse ano, Noah?
   -Tio, se toda bruxa anda por aí de vassoura, quer dizer que as tias da limpeza da escola podem ser bruxas?
   Eu juro que por um momento eu vi o Pete ali na minha frente naquela hora. É exatamente o tipo de coisa que ele diria num momento como aquele. Sacudi a cabeça. Precisava voltar a realidade. Tinha ainda um enorme pepino para resolver.
   -Se não forem, pelo menos já tem parte do que precisam quando quiserem ser! - Sorri. - É isso, você quer ser bruxo? Como Sabrina?
   -Anh?
   As vezes eu esqueço que eles são muito novinhos para conhecerem qualquer coisa de quando a televisão e os desenhos realmente valiam a pena. Tive de mudar a estratégia para algo mais recente.
   -Harry Potter! Eu quis dizer Harry Potter!
   -Ah, bom! É, como Harry Potter! Aí eu apareço como um bruxo como ele com varinha e tudo!
   Agradeci a Deus por finalmente chegarmos na loja naquele ponto. Mais um pouco e ele ia querer a coruja também. E não sei de nenhum lugar em Nova York onde se conseguem animais silvestres legalmente. Na verdade eu não sei se coruja é um animal silvestre, mas de qualquer maneira, fora de questão. O importante é que o fato de ele querer ser um bruxo "como" Harry Potter e não "o" Harry Potter também me dava alguma liberdade para arrumá-lo. Compramos a fantasia e voltamos para casa.
   Encontramos Ollie deitado no sofá e juro por Deus que aquilo parecia uma capa de Halloween de muito mal gosto de alguma revista masculina gay. Ele usava uma calça de couro apertada, uma jaqueta jeans aberta mostrando o peitoral nu, o cabelo arrepiado, lentes vermelhas nos olhos e presas falsas nos dentes, além de um olhar de "Olha como eu sou lindo!".
   -Quem é você e o que fez com o Ollie?
   -O Stuart me convidou para a festa de Halloween na casa dele! E eu vou de vampiro sensual para morder as gatas!
   -Porque não joga glitter no corpo e sai no sol para completar a fantasia? - Zombei.
   -Você não gostou porque você é homem! - Reclamou, depois voltando a atenção para o celular.
   Eu não podia perder tempo com aquilo. Tínhamos mais o que fazer. Levei Noah até o banheiro e o mandei tomar banho. Logo mais ia escurecer e as crianças iam começar a pedir doces. Quinze minutos depois, entrei no quarto, e ele me aguardava de cuequinha, para eu ajudar a colocar a fantasia. E a pergunta que me farei para sempre é sobre porque essas fantasias temáticas são tão difíceis de colocar? Bem, um pouquinho de esforço e lá estava o meu gurizinho gringo: Um feiticeiro pronto para começar a estadia em Hogwarts.
   -Certo então, agora podemos pedir doces! Você está pronto?
   -Estou! - Sorriu.
   Saímos então pelas ruas, dessa vez a pé, para pedir doces. Não sem antes, é claro, eu acabar com a alegria do Ollie.
   -Lamento, Ollie, vai ter que ficar em casa!
   -Porque? - Reclamou.
   -Porque você só avisou sobre a festa em cima da hora! E alguém tem que ficar em casa para receber as crianças e dar doces para elas! Mas olha, continua com a fantasia, pode ser que ainda consiga morder alguma gata! Algumas crianças podem aparecer com as mães!
   Era engraçada a cara que Ollie fazia nessas horas, quando não sabia reagir as piadas. Então saímos Noah e eu para buscar os doces. Encontramos outras crianças e coleguinhas dele inclusive pelo caminho. O saldo foi positivo e quando voltamos, a cesta estava quase cheia de doces. Quando entramos em casa, flagrei Ollie espirrando.
   -Achei que não ia pegar ninguém, mas com esse peito de fora conseguiu pegar um resfriado! Meu host-adolescente está evoluindo afinal! - Zombei, fingindo tom de orgulho.
   Nessas horas eu sempre lembrava do Pete. Acho que ele tinha tudo para virar o Ollie quando crescesse mais um pouco. É pena que eu não poderia estar mais por perto para ver. Mas, depois de três semanas, confesso que já estava amando Nova York e amando meu novo emprego, quase tanto quanto amava minha cidade e o emprego anterior. E a minha paz de alguma forma tinha voltado para mim, pelo menos até onde os meninos deixassem. Ok, vou parar de escrever e levar o comprimido para o Ollie!
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