Pete e Pequenos Americanos: Especial de Natal - 1 de 6


   Tudo começou no final de Novembro, por sinal, um mês e meio que eu já cuidava dos meninos Cooper, família de classe média da região norte da cidade de Nova York. Só para vocês terem uma ideia, qualquer americano pobre já seria considerado classe média nos nossos padrões. Os meninos Cooper entretanto tinham muito mais coisas que os coleguinhas. Logo pela manhã, a mãe dos meninos antes de sair, uma mulher alta e magra tipo uma modelo de passarela, me chamou na cozinha.
   -Hoje é o dia que os meninos começam a ficar agitados para as festas de fim de ano, então preciso que você pense em alguma coisa para fazer com eles nos próximos dias, tudo bem? - Me chamou pelo nome, enquanto preparava panquecas na cozinha e eu fritava uns ovos para os meninos do outro lado da cozinha. Sim, haviam dois fogões atrás do balcão.
   Assim, eu realmente tinha uns planos de dar umas voltas em Dyker Heights, no Brooklyn, bairro conhecido pela decoração extravagante nas casas na época de natal, e patinar no gelo no Rockfeller Center, mas não fazia sentido levar os meninos para conhecerem a própria cidade em que cresceram! Já devem ter ido nesses lugares mil vezes! Então, pelo jeito, ia demorar até eu ter tempo de fazer isso.
   -Sim, senhora Cooper!
   -Além disso, preciso que monte a árvore de natal com eles hoje e ajude a enfeitar a casa!
   -Sim, vai ser divertido, senhora! Vamos começar logo depois do café! - Era um sábado, então as crianças não tinham aula nesse dia. - Vocês compraram a árvore?
   -Comprar? - Riu-se. - Vocês brasileiros são muito divertidos! - Duvido que ela tivesse conhecido muitos. - Não compramos árvores aqui! Enfeitamos aquela que está no nosso jardim!
   Embora a casa não se pudesse chamar de mansão, ela tinha um jardim grandinho que um jardineiro era pago por eles para vir semanalmente cuidar, e o senhorzinho tinha bastante trabalho. Nesse jardim até tinha uma daquelas árvores que as pessoas compram e enfeitam no natal, mas, conforme as pessoas costumam esquecer, essas árvores de verdade (no caso dos Pinheiros) costumam ter pelo menos entre três ou quatro metros de altura e o que nós tínhamos aqui bem na entrada da casa não era diferente. Como a gente ia subir aquele monstro para colocar os enfeites?
   -S-senhora Cooper... Vai ser um pouco difícil!
   -Tem uma escada na garagem, bobinho! - Sorriu. - Se achar perigoso, você enfeita a árvore e os meninos cuidam do Jardim! Todos os enfeites estão na garagem também!
   -"Perigoso"? imagina! São só quatro metros! Vai ser um pedaço de bolo! - Ironizei.
   -Ah, eu disse para o Marcus que ia ser ótimo ter um Au Pair brasileiro! Até mais tarde! - Disse, me chamando pelo nome e depois deixando a cozinha. Marcus era o seu marido, o senhor Cooper. É engraçado como ela notava a ironia, mas era incapaz de perceber o que havia por trás.
   Então, coloquei os ovos fritos e o bacon nos pratos e os deixei sobre a mesa. Em seguida, subi para acordar os meninos. Numa coisa os senhores Cooper eram rígidos: Queriam os meninos todos os dias acordando cedo e tomando café em horários rígidos, mesmo que não tivessem nada para fazer. O que sempre me lembrava que eu devia ter feito isso com o Pete: Teria sido muito mais fácil acordá-lo de manhãzinha quando era necessário.
   Entrei no quarto do Noah cantando "Let the Whole World Know". Era a música de natal preferida dele. A de Ollie mais tarde eu me recusaria a fazer isso. Ele tinha descoberto a brasileira "Papai Noel Velho Batuta" dos Garotos Podres. Fora de questão. Enfim. Noah acordou sorrindo naquele dia, ansioso que estava para o começo das festividades.
   -Bom dia, tio! - Ainda que ele dissesse isso em inglês, era inevitável lembrar do Pete.
   -Bom dia, Noah! Hoje a gente vai começar a enfeitar o jardim depois do café da manhã! Está pronto?
   -Estou pronto! - Empolgado, se senta na cama, nem parecia que tinha acabado de acordar. E graças a Deus estava empolgado, porque eu ia morrer antes de terminar de enfeitar aquele jardim!
   -Então vem! - O trouxe pelos braços com delicadeza para fora da cama e lhe dei um abraço. Depois, o conduzi com a mão em suas costas para o guarda roupa trocar o pijama. A coisa mais legal é que crianças americanas são doces e delicadas e não tentam parecer mini-adultos.
   Deixei-o depois no caminho das escadas para o andar de baixo no corredor e entrei no quarto do Ollie. O que mal fiz já me arrependi. Os tênis do moleque largados de qualquer jeito no chão depois da festa do dia anterior ainda fediam, e o cheiro saindo pela janela provavelmente matou algum passarinho desavisado que passou pela propriedade.
   -OLLIE! - Berrei.
   Ele acordou num salto. Usava apenas a parte debaixo do pijama.
   -Ai meu deus, o que foi que eu fiz?
   -O que não fez! Quantas vezes eu pedi para não largar os sapatos em qualquer lugar depois de tira-los e colocar as meias para lavar? Parece que morreu um bicho aqui!
   -Ah, tá! Desculpe!
   -Não bebeu ontem a noite, né?
   -Não... Muito!
   -As próximas festas estão em cheque, tá?
   -Ah, qual é! - Reclamou. Em seguida levantou-se, a contragosto.
   -Olha, o Noah já está lá embaixo comendo os ovos dele*! E se você demorar, eu disse para ele comer os seus!
   -Ei, isso não é nada legal, bro!**
   -Achou que eu ia facilitar para você porque é natal? Se apresse! - Ri.
   Em seguida, fui até ele e o abracei também, embora ele ainda estivesse somente com a parte debaixo do pijama. Acho que era justo não só porque hoje fui mais carinhoso com o menor também, o que não é costume. Mas também pela simples causa, motivo, razão, circunstância: Espírito Natalino.
   -Cinco minutos ou ele vai comer os seus ovos! E vou descer antes que ele coma os meus também!
   Na verdade, por estranho que pareça, era muito provável. Noah comia pouco no jantar, e, talvez por consequência, sempre acordava com fome.

* * *
   -Oh, meu papai noel***! - Exclamei.
   Quando a senhora Cooper falou nos enfeites de natal, achei que estariam em alguma porta nos armários da garagem. Mas estavam por toda a garagem, inclusive algumas coisas grandes como estátuas transparentes de renas que tinham luzes dentro em tamanho real e outras coisas natalinas assim. Era o padrão natalino de Nova York. O meu no Brasil era uma única árvore de uns trinta centímetros com luzinhas (se as do ano passado estivessem funcionando, porque era tudo reaproveitado) ao lado da televisão na sala. Ou seja: Eles compraram tudo agora. E eu nem vi quando fizeram a entrega. Aliens, com certeza.
   -Meninos, se preparem! - Avisei! - O dia vai ser longo!

   Continua!

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   *O café da manhã mais comum entre os americanos geralmente é bacon e ovos fritos. Mas eu sei que você levou na maldade, seu mente suja!
   **"Not cool, bro!" é uma gíria americana muito popular entre adolescentes como Ollie.

   *** "Oh, my Santa!". Ele faz um trocadinho entre os termos "Oh, meu Deus!" ("Oh, my God!") e Papai Noel (Santa Claus).

Episódios anteriores:
Parte 1
Parte 2

Parte 3
Parte 4
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