Umbrella Ostentation


   Essa é mais uma daquelas histórias em que a vida aparece com uma crônica pronta para o cronista escrever, não importa se ele quer, se faz alguma questão ou não. Estava eu indo ao centro da cidade para pagar umas contas e depois pegar o celular no conserto rezando para ele estar finalmente pronto. O negócio é que o lugar, apesar do serviço excelente, era bem mediano com prazos.
   Fui até a casa lotérica e paguei minhas contas. Era um dia chuvoso então tinha levado meu guarda-chuva. Paguei minhas contas e saí. Desci na loja. Meu celular não estava pronto e o atendente me pediu para voltar depois de umas três horas (literalmente três horas) para buscá-lo. Saí de lá e fui comer algo em uma lanchonete no fim da avenida. Depois, saio da lanchonete pensando em como matar tempo até poder ir pegar o celular. Mas caí uma chuva fininha do nada, e aí me lembro: Esqueci o guarda chuva em um dos três lugares em que estive. Volto nos três e nada.
   Desolado e me sentindo um inútil por ter perdido o guarda-chuva em um dia chuvoso como aquele, sabendo que a chuva podia ter aumentado a qualquer momento, fui até a loja de presentes e utilidades no fim da rua. Ainda meio atordoado por ter perdido o guarda-chuva e ter de gastar dinheiro com outro, peguei um no lugar errado e por muito pouco não saio da loja com o guarda-chuva de uma das atendentes. Mas aí a culpa também é da loja: Quem é que pensou que seria seguro colocar o armário dos funcionários no meio (literalmente no meio) da loja? Mas enfim, com ajuda de uma atendente encontrei um bom guarda-chuva. Até melhor que o anterior, todo preto, firme, e num preço bastante bom. Levei. Saí da loja pensando como explicaria para o pessoal de casa a improvável metamorfose do guarda-chuva.
   Mas então, me encontro em frente a lotérica onde paguei a conta. Ela olha para mim. Eu olho para ela. E naquele micro segundo a lotérica é quase meu abismo de Nietzsche. Acabo entrando e vejo a mesma moça que me atendeu mais cedo. Só por um desencargo de consciência, e escondendo o novo guarda-chuva, pergunto se não guardaram aquele que esqueci. Ela me pergunta a cor, só para confirmar, digo, e ela dá uma volta pelo entorno da lotérica atrás do balcão procurando e o encontra. E eu o recebo com a mesma honra e orgulho de uma coroa de besta. Se eu tivesse voltado na lotérica antes de comprar o outro guarda-chuva, não teria gasto dinheiro a toa com ele.
   Saio na rua. Chuva fina. Abro um deles, desta vez o novo para testá-lo. E essa é a parte mais inesperada: As pessoas começam a me olhar como se eu estivesse com dois guarda-chuvas em vez de um como todo mundo só de sacanagem, mais ou menos como um funkeiro ostentação na chuva. Só que se eu fosse um funkeiro ostentação na chuva, a armação dos dois seria banhado a ouro (porque a ostentação nunca é 100% real), mas eles ignoram isso. É como se dissessem "se você tem dois guarda-chuvas porque não dá um para um mendigo?". Não dou porque mendigos não são idiotas de ficar debaixo de chuva e fogem quando ela começa a cair. Algumas pessoas parecem pensar: "Será que ele vai dançar na chuva?". Um homem até me aborda, rindo:
   -Bastante precavido, hein?
   Expliquei resumidamente. Não devia. Ninguém precisava saber o troféu de trouxa que o segundo guarda-chuva que estava preso no meu pulso enquanto o outro estava aberto era. Felizmente, daí para frente peguei o celular no conserto e voltei para casa. Deu tudo certo. Mesmo que sob os olhares de estranhamento e repreensão quanto aos dois guarda-chuvas. Acho que muita gente ainda vai me encontrar por aí e lembrar de mim tipo: "Olha o garoto Umbrella Ostentation!". E eu nem queria ter usado dois guarda-chuvas, desde o começo. Mas podia ter sido até pior.
   Imaginem que loucura: Eu esqueço o segundo guarda-chuva na lotérica ao pegar o primeiro e acabo voltando para casa com três? Não, aí é trouxisse demais até para mim! Limites também, por favor!
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