Morte #13: Tim Maia


   -Sabia que tu vinha qualquer hora! - Ele responde, sem olhar para trás.
   Era a noite de 8 de março de 1998, no camarim do Teatro Municipal de Niterói.
   Se sentindo tonto, o coração querendo sair pela boca. Parecendo que ia desmaiar a qualquer segundo. Os olhos arregalados.
   -Seria estranho se você não soubesse. - Se aproxima o ser alto, com as vestes pretas e a foice na mão. - Sempre viveu no limite da vida. Bebeu muito, fumou muito, se deixou engordar, nunca disse não para cada prazer da vida. E não te culpo. As coisas sempre foram dificeis para você desde o começo.
   -Veio me dar lição de moral? - Reclama.
   -Um sorriso e um deboche é o que sempre se pôde esperar de você. É como sempre escondeu quando estava doendo. Que a vida estava doendo.
   Poderia estar mais feliz. Quando chegou no teatro meia hora antes tomou uma carcada da diretora sobre seus múltiplos atrasos dizendo que ali não se tolerava isso. Ainda mais porque naquela noite seria gravado um disco acústico e sua família estava lá. Era a única vez na vida que quis ceder a pressão das horas.
   -Você não precisa ir. - Murmurou.
   -Como não, pô? Tá todo mundo lá me esperando, tem minha irmã, tem imprensa...
   -Eu normalmente só apareço na última hora, quando é realmente preciso terminar as coisas. Mas hoje ainda não é esse dia para você, Tim. E não será se só dessa vez você respeitar as necessidades do seu corpo.
   -Vai para o inferno. - Murmurou, se levantando com grande dificuldade. - Se você me conhece tanto, sabe que eu não sou desses de parar! Se eu tô tão doido que tô vendo e falando com você, então é aí que eu tenho que subir naquela droga! No dia que eu parar, meu irmão, tudo que eu fiz vai ter sido para nada!
   A morte desaparece no ar e reaparece na sua frente. Podia ver em seus olhos e nos joelhos tremendo, a luta que estava sendo para ficar de pé.
   -É isso mesmo que você quer?
   -É melhor morrer cantando que viver morrendo! E é melhor morrer feliz do que viver sofrendo!
   O ser então se resigna e o deixa passar. Estava finalmente compreendido que aquela era a escolha dele. Não é como se não soubesse que se arriscava a morrer. Era que se parasse agora, morrer em vida era uma certeza. Tim Maia foi um homem muito intenso e sem limites por toda a vida. Leviandade da morte ter achado, por um só segundo, que podia ser diferente no final.
   Reaparecendo no palco, vê o síndico entrar ao som de toda a arquestra. Ali, os sintomas se intensificam, tudo começa a girar. Ele segura o microfone.
   -Vou pedir...
   As forças parecem desaparecer ali diante de todos.
   -Vou pedir... - Insiste em tentar.
   Com suas últimas forças acena para as pessoas e desce do palco para não cair diante de todos eles. O nível de consciência cada vez mais baixo. A morte acompanha tudo. A diretora e uma médica que estava na platéia tentando socorre-lo, a ambulância chegando para levá-lo, o publico gritando para ele voltar. O medo e o desespero nos bastidores.
   Sete dias se passam. O ser aparece novamente no hospital. Dessa vez decide por não acordá-lo e nem parar o tempo para falar com ele. Já foi dito tudo antes daquele show. A escolha dele era viver no limite e morrer no limite. E foi exatamente isso que ele fez. E é exatamente o que faria no outro mundo também, se assim permitido fosse. Ou mesmo que não fosse.

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   O propósito da série da morte é homenagear nossos queridos artistas que se foram e relembrar as pessoas que nos marcaram, jamais desmerecer suas memórias. Espero que tenham gostado desse texto! O blog está de volta!

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