Pete #22: Pete e a Despedida - Parte 1 de 2

   Eu sinto a necessidade de fazer um pequeno alerta. Essa é a história que escrevi a muito tempo, mas estava aguardando um bom momento de postar, de como o tio babá deixou de trabalhar com Pete, literalmente a coisa que mais amava na vida, e foi para novos ares, trabalhar com novas crianças, coisa que nunca se imaginou fazendo. E se você está aqui pela primeira vez, só será capaz de entender a profundidade dessa história em contexto. Assim, sugiro que leia pelo menos alguma das histórias anteriores antes de prosseguir!

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   Era o aniversário de quatro anos desde que comecei a trabalhar com o Pete. Para mim foi um dia normal, porque havia me esquecido completamente disso, nunca fui muito bom com datas. Mas, nesse dia, o Maurício insistiu que eu ficasse mais um pouco quando ele chegou. Ele trazia um pacote grande nas mãos, fechado, que não entendi a principio, e a Raquel estava com ele.
   -A gente tem uma surpresa para você, tio! – Disse Pete, me puxando de volta para dentro do apartamento pela mão.
   Quando chegamos à cozinha, um bolo com o número quatro estava lá sobre a mesa e todos estavam sorrindo. O que eu também não pude evitar. Foi nessa hora que me lembrei de tudo. Já iam quatro anos que eu cuidava do Pete, desde que ele tinha acabado de fazer quatro anos e ainda mal falava as palavras direito, e eu ainda o levava para a creche todos os dias, até os seus quase oito anos, quando já tinha de levá-lo a escolinha, e preparar sua lancheira todos os dias. Por sinal, aprendi a fazer lanches simples por ele. Naquele momento, o dinheiro não era mais a coisa que me fazia levantar todas as manhãs para estar ali. Já há muito tempo que era apenas uma consequência menor, apesar de bem vinda, de tudo o que eu fazia ali. Apesar de me irritar e me estressar sempre com o Pete, no fundo até achava divertido, e era muito legal que o Maurício e a Raquel reconhecessem isso.
   Tivemos um início de noite maravilhoso ali, que prometeram pagar como horas extras, mesmo eu dizendo que não precisava. Mas aquela era apenas a calmaria antes da tempestade. Eu ainda não tinha a menor ideia do que estava por vir. Cheguei cedo no dia seguinte. Passada a festa, ainda estávamos no meio da semana. Maurício foi o primeiro a sair. Parecia meio pálido.
   -Bom dia, Maurício! Está tudo bem?
   -Não dormi muito bem essa noite, mas o trabalho chama! Ele já está na sala esperando você!
   -Maravilha! Preparo o lanche dele em dez minutos!
   -Não sei o que faria sem você! – Me chamou pelo nome em seguida.
   -Não se preocupe, vai tranquilo! – Sorri.
   Ele então desce as escadas do condomínio, rumo ao estacionamento, e eu entrei no apartamento, pronto a enfrentar mais um doloroso, porém divertido dia com o Pete. Ele estava na sala, me esperando, enquanto assistia a um desenho na TV.
   -Bom dia, Pete!
   -Oi, tio! – Sorriu, se desligando por um momento.
   -O que quer de lanche hoje?
   -Chocolate!
   -Hoje não, formiguinha! – Brinquei. – A gente já não comeu bolo demais ontem? Assim você vai ficar gordinho, gordinho e aí um dia não vai mais nem conseguir sair do apartamento sem entalar na porta!
   -É, mas vai demorar, então dá para comer bastante até lá!
   -Não, de jeito nenhum! Você tem que crescer um menino forte e saudável! – Me sentei no sofá e o puxei para sentar-se comigo. – Vamos entrar num acordo? Eu não posso te dar chocolate, mas eu trouxe uma coisa que você também vai gostar!
   Puxei a mochila para mostrar a ele. Tirei de dentro um pote grande lacrado de creme de amendoim in natura que encontrei em uma loja de produtos caseiros no último final de semana. Sem muito açúcar como costumam vir os processados no supermercado. Curiosamente, Pete nunca tinha visto isso.
   -É doce? – Perguntou, abrindo os olhões e já pondo as mãos no pote.
   -É sim, e esse eu posso fazer no pão para você, tá bom? Mas você tem que prometer que vai esperar até o recreio para comer! Combinado?
   -Combinado!
   -Então tá bom! – Fiz um carinho em seus cabelos. Peguei o pote e me levantei.
   -Então, vou lá na cozinha fazer! Você me espera quietinho vendo desenho?
   -Espero! – Sorriu.
   -Então tá bom! – Me levantei e segui para a cozinha.
   Eu sabia que ele não ia ficar. Começava pequeno, buscando outra posição no sofá. Depois, talvez tirasse alguma catota no nariz, e assim ia. Certa vez o peguei tentando escalar a estante da televisão para ver se podia tocar o teto. Dependia muito do quanto eu demorasse. Mas voltei logo com a lancheira já pronta. Dois lanches com pasta de amendoim como prometi, e uma garrafinha com suco de maça. Não dava para ser mais legal que isso com ele sobre o lanche. Felizmente, ele ainda estava na fase da catota. Nesse caso, tirou um dos sapatos para mexer com os dedos.
   -Pode por de volta! Nós estamos atrasados!
   -Tá booom! – Reclamou.
   Aquele foi um dia normal como os outros até o início de tarde. Levei ele á escolinha com o carro, arrumei o apartamento do Maurício pela manhã toda e depois fui buscá-lo, como sempre. Ele disse no carro que adorou a pasta de amendoim inclusive. Bem, o pote grande estava na despensa do Maurício, caso quisesse que eu fizesse esse lanche mais vezes para ele. Voltamos para casa. Brincamos. Pete fez as tarefas menores que deixei para ele fazer (e lavar a louça não estava entre elas por motivos óbvios). Mas foi no final da tarde que tudo realmente começou.
   -Tá bom, agora.. – Olhei para o relógio. – Hora do banho! Seu pai tem que ver você limpinho e arrumadinho quando chegar! – Principalmente depois do bolo no dia anterior.
   Ele então se levantou imediatamente e foi. Era o nosso acordo. Se ele não obedecesse, no dia seguinte eu não brincaria mais com ele durante a tarde, e aí seriam só obrigações. Então fui pegar roupas para ele em seu quarto, depois de preparar a banheira. O problema é que Pete não ficava quieto, mesmo nessas situações. O resultado é que, em dois minutos o chão do banheiro ficava encharcado e escorregadio por causa da água que voava quando ele se mexia. Entrei no banheiro sem nem me surpreender com a cena. Depois eu passaria um rodo. O problema não foi ver aquele cenário, enquanto Pete sorria na banheira como se nada tivesse acontecido.
   -Aqui estão suas roupas. – Deixei ao lado da pia. – Você precisa brincar menos na á..
   Pisei em falso em um brinquedo e escorreguei, me machucando no processo e caindo de cara na banheira e por pouco não foi em cima dele. Me refiz de imediato. Nem nos meus sonhos mais malucos eu queria dividir a banheira com ele.
   -Olha o que você fez! – Reclamei. – Já conversamos sobre isso!
   -Desculpa, tio!
   Tirei a camisa e comecei a torcer. Era uma das minhas favoritas, de uma banda que eu gostava muito, embora metade das pessoas fossem achar meio trash. E eu morria de medo naquele momento de a água quente estragar a estampa tanto que nem pensei.
   -O que está acontecendo?
   Era o Maurício. Péssimo dia para ele chegar uma hora mais cedo. Justamente quando estávamos Pete e eu na banheira.
   -E-eu posso explicar! – Avisei, com o sorriso mais amarelo possível.

   (Continua...)
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