Morte #06: Capitão Smith (Titanic)


   É a madrugada do dia 15 de Abril do ano de 1912. Por volta de uma hora. Nesse momento, a bordo do gigantesco transatlântico RMS Titanic, que além de ser um navio de passageiros também estava a serviço do correio britânico, o famoso capitão Smith, que já trabalhava há mais de quarenta anos comandando navios da White Star Line (sabe-se lá como considerando que em suas mãos quatro navios já encalharam e dois sofreram sérios incêndios, mas sabe-se lá porque a WSL acobertou todos os casos e manteve o homem no cargo).  Até menos de uma hora atrás, o capitão havia ignorado lindamente todos os avisos que chegaram via telegrafo de navios na mesma área de que aquela era uma área de grandes e perigosos icebergs. Tudo isso para chegar logo em Nova York, quebrar o recorde e trazer para a WSL e para o Titanic (e claro, para seu nome) o recorde que pertencia ao navio Mauretania da concorrente Cunard Line. Mas agora, as pessoas estavam desesperadas e os botes haviam acabado de ficarem lotados e lá embaixo, os oficiais tentam conter as pessoas que ficaram, principalmente os homens que foram impedidos de subir antes das mulheres. O capitão sobe em direção a ponte de comando, e a partir daí, desaparece para todos.
   -Bela noite para morrer no mar, não é capitão? - Ironiza alguém, atrás dele.
   A princípio pensa ser um dos oficiais, talvez Jack Philips, o telegrafista sênior, ou Harold Bride, seu assistente, ou talvez Bruce Ismay, dono da WSL ou Thomas Andrews, o projetista do navio. Mas não. É um ser alto com vestes prestas e uma caveira no lugar da cabeça e segurando uma lança. Smith se assusta, mas acredita ser fruto do desespero e tenta ignorar.
   -Sabe como a Cunard Line inteira vai rir da sua cara, não é? - Diz o ser. - Talvez nem tanto, considerando que você não vai sobreviver. Mas quando o pessoal do Carpathia, que já está a caminho, chegar aqui para resgatar as pessoas e souber do fiasco que foi essa viagem, acredite em mim, vai agradecer por não estar aqui para ver! Sem mencionar os jornais europeus pelos próximos anos!
   -Q-quem é você? - Berra o capitão, apontando sua arma para o ser, sem conseguir mais ignorar. - Deve ser o vinho que bebi mais cedo!
   -Não, capitão! Quem está aqui pelo vinho que o senhor bebeu nas últimas horas é o iceberg! Eu só estou aqui para terminar com o senhor, o senhor sabe, já percebeu quem eu sou, não precisamos falar muito! O senhor condenou o navio, agora seja bonzinho e me deixe terminar com você, tudo bem?
   -Eu não estou morto! Além disso algum navio deve chegar a qualquer momento!
   -Deixa eu ver! - O ser puxa um relógio de suas vestes. - Três, dois...
   Um estrondo gigantesco de madeira, metal e diversos materiais se quebrando pode ser ouvido. O capitão vai até a janela para ver, mais ou menos ao mesmo tempo em que ponte de comando gira para a diagonal violentamente. Ele pode ver pela janela que o navio partiu-se ao meio e muitas pessoas já estão morrendo na água gelada. Tenta se segurar, mas sabe que o navio vai afundar por completo logo.
   -V-você não vai me levar! Eu trabalho no mar há quarenta anos, não vai ser um iceberg que...
   -Você tem uns poucos minutos, capitão!
   -Eu tentei fazer o melhor pela White Star Line!
   -Mas não pelos seus passageiros! Mas tudo bem porque a essa altura o dono da WSL, o senhor Ismay, já roubou o lugar de uma criança em um dos botes! Então... - Levanta a foice. - Vamos?
   -Não se atreva! - Apontou a arma para a própria cabeça.
   -Não seja covarde, capitão! Tenha dignidade! É doce morrer no mar, não é o que dizem?
   -Não venha me dizer o que é dignidade! Se eu sobreviver eu nunca mais vou conseguir pisar em um navio de novo!
   -Graças a Deus! - Ironiza.
   A água começa a tomar lentamente a cabine, e Smith pode sentir ela entrando em seus sapatos e congelando os dedos dos pés, e sabe que vai ficar pior.
   -Porque faz isso?
   -Esse trabalho não é legal se eu não ironizar!
   A água então toma completamente os seus pés. E a morte novamente levanta a foice.
   -Maldição, eu não vou morrer sem lutar!
   Em seguida, atira na própria cabeça. Seu corpo cai inerte sem vida na ponte de comando, enquanto a água continua tomando a cabine, que vai girando para a vertical cada vez mais. A morte dá de ombros.
   -Bem, vamos aos outros! Hoje não vai dar para ir para casa cedo!

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   Todas as informações sobre o capitão Smith aqui são reais, nenhuma delas foi criada para dar determinada imagem do capitão Smith, pelo contrário, tudo isso é parte dos depoimentos de sobreviventes e da pesquisa de Jonathan Mayo em seu livro "Titanic: Minuto a Minuto" além de  documentários como "Titanic - Histórias Reveladas" e por aí vai. Sobre o final, é uma referência a maioria dos depoimentos de sobreviventes que, quando não dizem que Smith desapareceu indo em direção a ponte de comando, dizem que ele se suicidou com um tiro na própria cabeça. Fato é que seu corpo jamais foi encontrado para confirmar nem uma e nem outra história. Portanto, ninguém aqui está criando uma imagem, justa ou não, do capitão Smith (E nem de Bruce Ismay), mas sim, criando uma histórias em cima de depoimentos reais a respeito da pessoa do capitão. Que Deus o tenha, mas a verdade precisa prevalecer, e não tem porque ela não ser alvo do humor.
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