Pete e Pequenos Americanos: Especial de Natal - 4 de 6


   E a gente já andava há uns dez minutos pela pista de patinação devagar, vendo se conseguíamos ver ao longe o Maurício ou a Raquel e eu tentando lidar com todo o atordoamento daquele momento. Enquanto estive trabalhando no apartamento, acho que nunca me dei conta do que fui deixando acontecer dia após dia por aqueles anos dentro de mim. Cada vez que nossos olhos se cruzavam eu me punha a me perguntar a mim mesmo, quando foi que acabou o tio babá que precisava do emprego para sobreviver, e começou a ilusão de pai. Foram quatro anos longos, vendo o Pete todo o dia, sendo o adulto que ele precisava por perto na maior parte do dia em todas as facetas que esse adulto precisa se colocar diante de uma criança. Quando foi que sem perceber eu me deixei atravessar essa linha tão tênue que existe nessa profissão?
   -Pete, eu tive uma ideia! Sabe porque eles ganham muito dinheiro aqui, além dos ingressos?
   -Porque vem muita gente?
   -Porque depois de se divertir muito aqui, eles ficam com fome, e aí eles vão para a lanchonete! Porque a gente não vai lá para fazer uma boquinha e espera eles aparecerem? Eu tenho certeza que eles vão te procurar lá e não vai demorar!
   Ele puxou de leve a manga de minha blusa. Quando fazia isso, sabia que viria algo sensível.
   -Eu queria que demorasse. - Murmurou.
   Me abaixei e o abracei. E não pude soltar de imediato como fiz com Noah e Ollie mais cedo. Foi muito mais forte que eu. Porque o momento também era muito mais delicado tanto para mim quanto para o Pete.

   * * *
   -Sabia que ia te encontrar aqui! Faz o seu estilo parar tudo para comer! - Maurício e Raquel se aproximaram da nossa mesa com os meninos enquanto Pete e eu comíamos nossos hambúrgueres.
   -Me conhece tão bem! - Zombei. Em seguida, falei em inglês. - Noah, porque saiu de perto?
   -O patins deslizou sozinho e quando eu vi já estava longe!
   -Entendo! Senta com a gente! - Volto ao português. - Maurício, Raquel, querem dividir a mesa?
   -Acho que tudo bem, né, amor?
   E aí, a conversa voou. Maurício e Raquel ficaram fazendo perguntas sobre como eu tinha ido parar ali, como era Nova York, o que eu estava fazendo por ali, como eram as crianças americanas. Enquanto isso, Pete ficou tentando conversar com Noah, no seu inglês de cursinho infantil de viagem.
   -Bem... - Maurício me chamou pelo nome. - Já que você está aqui, pode nos fazer um favor?
   -O que precisa?
   -É que a Raquel e eu queremos conhecer uns lugares mais... Você sabe, né? Experimentar uns programas adultos e tals! Você não poderia ficar com o Pedrinho até amanhã a noite?
   -Que?
   Meu mundo desabou. Pelo que conhecia da senhora e do senhor Cooper, eles aprovariam tranquilamente. Isso porque eles ficariam loucos de curiosos com o menino brasileiro que nem se lembrariam de cobrar qualquer coisa deles, inclusive atenção, e eles poderiam cuidar das coisas deles tranquilamente. E como a ideia era passar o dia fora de casa mesmo, então não importava muito. Só tem um porém. Mas ainda assim, como ficaria com os três, passado e presente se chocando daquela forma? Não, isso estava fora de questão. Eu simplesmente não podia fazer aquilo com a minha cabeça. Respirei fundo, preparando uma dura resposta.
   -Mas é claro que posso! Os meninos tem um colchão sobrando, colocamos no pé da minha cama, e tenho um cobertor extra, nem se preocupem! E amanhã a noite levo ele até o hotel de vocês, pode ser?
   Foi mais forte que eu. Imensamente mais forte. Talvez porque ainda ecoasse repetidamente na minha cabeça: "Eu queria que demorasse!". É Pete. Acho que no fundo eu também queria.

   * * *
   -E você cuidou desse garoto por tanto tempo mesmo? - Perguntou Ollie.
   -Francamente, eu quase o sinto como se fosse meu filho. Mas não sei se devia.
   Uma hora depois estávamos em um outro lugar. Em um dos shoppings enormes de Nova York tinha sido construída meses antes uma enorme piscina de bolinhas, do tamanho de uns oito apartamentos do Pete e tinha pelo menos umas sessenta crianças diferentes ali. E se tinha algo que Ollie achava chato era ter que ficar olhando o irmãozinho brincar enquanto segurava seus sapatos, e isso estava totalmente visível no seu olhar de deboche.
   -Não reclama, já te paguei esse milkshake para amenizar! E olha, pelo menos o seu irmãozinho brinca direitinho, nadando nas bolinhas. O Pete está colocando as bolinhas debaixo da camisa para dizer que são músculos!
   -Olha, tio! - Ele gritou, da piscina.
   -Enchimento, como nunca pensei nisso! - Suspirou Ollie.
   Parece que aqueles próximos dias realmente seriam bastante longos!

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   O Winter Village do Bryant Park existe de verdade em Nova York, e seguem algumas fotos do lugar:
   


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